segunda-feira, maio 29, 2006

Sobre homens e bárbaros

Estou terminando a leitura do livro Ensaio sobre a Cegueira de Saramago e aproveito o espaço inclusivo para recomendá-lo.

A cegueira a qual Saramago se refere através do romance em que se torna o livro, é aquela do homem de bons olhos, quero dizer, a cegueira não das luzes que levam à retina esse universo de cores, mas a cegueira quanto ao mundo no qual estamos inseridos. Uma cegueira social, por assim dizer, buscando não cair no mérito da sociologia e psicologia social.

E foi pensando sobre isso que hoje me encontrei discutindo o que é ser um ser humano. Quero dizer, todas essas roupas, carros ruas e fios são o que nos separam do homem animal? Brusco e tosco, bárbaro no sentido mais animalesco a que podemos pensar sobre homens.

Em uma das frases do livro, na voz da “mulher do médico”; isso porquê os personagens não tem nomes, mas os identificamos por referências, falarei mais sobre isso depois; a frase a qual me referia portanto é “Se não podemos ser totalmente homens, nos esforçaremos para não ser totalmente animais”. Para se entender melhor a frase, pensemos que a personagem se encontra num espaço insalubre para o pleno desenvolvimento do homens enquanto moderno, a quem noções de conforto e higiene são vitais.

Retornando aos postes e asfaltos, são eles que nos fazem assim tão diferentes dos outros seres que coabitam o planeta? Usar um cabo metálico para conectar eletricamente uma fonte produtora e outra consumidora é assim tão menos animal que usar o mesmo fio para pousar sobre, se não entenderam a figuração, me refiro a um pássaro que enquanto descansa, espera sobre o fio que a energia lhe retorne as penas. E de um jeito que só o pássaro pode, observa os pobres animais humanos indo trabalhar, angustiados e cansados, mas que pressionado por uma noção de tempo inexorável, não se pode dar ao conforto de parar sobre um fio de metal e esperar enquanto descansa.

Na pobre interpretação que me permito ter sobre Saramago acredito que a opção de não dar nomes aos personagens é justamente para lhes tirar o caráter de unicidade e pode aplicar seu desenvolvimento a todos aqueles que nas palavras descritivas interpretam uma leitura sobre si mesmo.

E é dessa cegueira que penso. Será que camisas e calças, carros e colchões, é isso mesmo que nos fazem mais humanos? Talvez seja se pensarmos que essas coisas nos distanciam do barbarismo, mas o que na verdade é barbarismos?

Vemos que com quanto mais luxos se cercam os homens, menos humanidade vemos em seus olhos. Acho que associamos tão fortemente a construção de humanidade ao desenvolvimento da civilização que não conseguimos sequer nos imaginar em outra condição. A noção do homem como bicho social nos impede de distanciar o entendimento sobre nossa vida da vida alheia.

Prendemo-nos uns aos outros em uma base psicológica tão profunda que chamamos nossos grilhões de liberdade e esperamos por respostas, que acredito a muito tempo estiveram em nossas mãos mas que agora, nem existem mais.

“Não há mais futuro, só uma sucessão de presentes”.

4 comentários:

Unknown disse...

Na mosca. Lembro de uma aula de história em que o professor falou que "você sabe que a situação está destinada a se manter quando ninguém acredita mais em revoluções".

Anônimo disse...

uau!gostei deste post!mas quero propor algumas coisas: por que limitar a condição humana aos bens materiais?acredito que as mudanças observadas nas relações sociais, as próprias revoluções, como o joão luis disse, são o que diferem o homem dos animais. bom, é bem verdade que essas relações são bem "animais" muitas vezes, mas elas mudam, evoluem ou retrocedem, e isso os bichos não fazem!o q acha thiago?

Thiago Locutor disse...

as revoluções só acontecem para mudar a situação "material" na qual os então cidadãos (não mais homens) estão inseridos.
revoluções não são pretensões dos bichos homens, mas dos hominus sociales. esse limitador é básico.
proponho uma discussão ainda mais profunda. proponho pensarmos sobre o q somos essencialmente.

Anônimo disse...

bom, vamos ver se consigo chegar pelo menos à porta dessa essencia que vc fala.
acredito que as vontades, as necessidades humanas de viver melhor e de evoluir,bme como a sua curiosidade são elementos,talvez primarios, mas que conseguem justificar toda a produção material da raça.e isso não se vê no animais, eu os vejo como seres puramente institivos,sem possibilidades de alteração a não ser que o meio natural, em que vivem a imponha, é pura adaptação, não evolução!esse materialismo é fruto dos nossos anseios,da nossa essencia, assim, as revoluções que acontecem são fruto desse "eu" do homem. é uma análise associativa.acredito que vc possa desenvolvê-la melhor ou refutá-la abrindo meu leque de pensamentos.