segunda-feira, setembro 18, 2006

Coelhos

Me disseram que meus textos, meu discurso, está muito sóbrio. Me sugeriram que tirasse umas férias, amenizasse as palavras e fosse um pouco mais descontraído.

Pois bem, vou aproveitar minhas férias e vou escrever só sobre coisas felizes e tranqüilas.

Hoje, por exemplo, vou falar de coelhos...

No princípio havia o verbo. Sob sua vontade soberana e absoluta foram criadas as estrelas, o céu e a terra. A terra foi povoada por vários seres de muitas formas e cores, e deus achou que isso era bom.

Sobre imensos campos verdes, cresceram frutas, verduras e tantas outras plantas que a imensidão multicor resplandecia em contraste com o azul profundo dos mares, habitado por peixes de tantos tamanhos quanto os grãos de areia onde as águas tombavam. E deus achou que isso também era bom.

Mas faltava alguma coisa, a faltava o pulsar de uma vida nova, orgulhosa. À sua imaginação e criatividade, deus criou o primeiro coelho, uma pelugem branca como a neve do norte cobria um corpo rechonchudo, iluminado por dois belos olhos azuis, gotas de um céu grandioso que se estendia sobre a terra. E deus achou que isso era bom.

Mas o coelho estava sozinho, e apesar da beleza da terra que se espalhava por distâncias inimagináveis, seus olhos não brilhavam como deveriam...

Para estar ao seu lado, deus retirou uma de suas três orelhas e criou uma coelha. Lado a lado, o casal poderia contemplar a magnitude da criação. E deus achou que isso era bom.

Mas as criaturas se vislumbraram e conheceram o contato íntimo, corporal.

Sob muitas luas eles estiveram juntos em contato próximo. Na terra do inimaginável ouviu-se através de nascentes e poentes os suspiros dos corpos que se entrelaçaram. O senhor contemplou sua criação e viu, fez merda.

Os frutos da maldita união criaram outros seres, e outros e outros e outros.

Das duas sementes da criação nascerem os frutos execrados. Na casa das centenas, eles se separam pela terra. Nos milhares, diferenciaram em cultura e língua, perdendo o contato. Ao milhões começaram a explorar a terra e tirar dela mais que o sobrevivência, mas também o conforto. Aos bilhões entraram em guerras, brigaram e se ofenderam. E deus viu que tinha ferrado toda a história.

Mas pedras caíram do céu como gotas de uma tempestade. Os coelhos de foram.

E deus, imerso na decepsão eterna, profunda como os abismos infindáveis dos mares, apostou numa nova espécie, uma nova criação.

(Em rima) Nascia Adão...

sexta-feira, setembro 08, 2006

Dia de poema

O lobo e cordeiro


De ardente sede obrigados,

Foram ao mesmo ribeiro,

A beber das frescas águas,

Um logo e mais um cordeiro.


O lobo pôs-se da parte

Donde o regato nascia;

O cordeiro, mais abaixo,

Na vaia d’água bebia.


A fera, que desavir-se

Com mansa rês desejava,

Num tom severo e medonho,

Desta sorte lhe falava:


- Por que motivo me turvas

A água que estou bebendo?

E o cordeirinho inocente

Assim respondeu tremendo:


- Qual seja a razão que tenhas

De enfadar-te não percebo!

Tu não vês que de ti corre

A mim esta água que bebo?


Rebatida da verdade.

Tornou-lhe a fera cerval:

- Aqui, haverá seis meses,

Sei de mim disseste mal.


Respondeu-lhe o cordeirinho,

De frio medo oprimido:

- Nesse tempo, certamente,

Inda eu não era nascido!


- Que importa? Se tu não foste,

Disse o lobo carniceiro

- Foi teu pai. E, por aleives,

Lacera o pobre cordeiro!


Uma fábula dá brados

Contra aqueles insolentes

Que, por delitos fingidos,

Oprimem os inocentes.


Autor desconhecido

Extraído na “Garganta da serpente”.

http://www.gargantadaserpente.com/fabulosa/lafontaine/lobo_cordeiro.shtml

terça-feira, setembro 05, 2006

Todo futuro é caótico



Sempre sonhei em descrever um retrato do futuro caótico que aguarda a raça humana.

Por que deixar para depois? Perguntei-me essa manhã.

O medo roubado

Azureus, 1 de janeiro de 2042. Querido diário. Querido não. Porque querido é coisa de boiola! Simpático diário. Hoje assisti alguns vídeos interessantes do início do século. Essa primeira frase mesmo, era um exemplo do que eles chamavam de piada naqueles tempos. Não entendi muito bem, mas parece que era algo tipo para fazer rir.

Como será que era rir? Agora, enquanto me entrego ao vício do GOOGLETUBE, vejo rostos e jeitos mostrando os dentes, enquanto os olhos estranhamente mostram um sentimento que eu chamaria de felicidade. Mas como aquelas pessoas conseguiam momentos de prazer tão longos e só através de palavras?

Ta ai uma das coisas que eu nunca vou entender direito. Hoje, durante a aula de história pós-contemporânea (expressão que até hoje não me acostumei muito bem), o professor explicou sobre o medo.

O medo, disse ele, era um sentimento que fazia com que as pessoas não quisessem vivenciar algo, como uma revelação de que algo ruim estivesse se aproximando. O paradoxo do medo, explicou ele, era que ao mesmo tempo em que limitava a abragencia de ações dos humanos, também os impulsionava. Seria uma situação como o medo de serem infelizes, os faziam querer serem felizes. O medo da morte os faziam querer viver e por assim vai.

É claro que hoje o senso comum nos explica que aquela foi uma sociedade de enganos. Quase bárbaros. Mas eu pessoalmente acho, e tomara que ninguém me veja dizendo isso, que eles (lá do passado) tinham o que hoje nos falta.

Não estou reclamando da vida, estou satisfeito com meu trabalho diário lá no parque de diversões. Os novos tubos de conexão neural são ótimos, e nem temos mais que sedar as crianças na hora da instalação. É claro que algumas delas reclamam um pouco, mas num instante se acostumam. Sou digno porque meu trabalho me dá direito as rações diárias oferecidas pelo governo, apesar de não ser muito fã das pílulas de Vitamina E (mas é como dizem, sem o sol, o que mais poderíamos fazer?).

Mas mesmo assim, procuro pensar naquele mundo não como o caos da guerra e morte como nos ensinam por aí, mas mais como...? Não sei nem explicar. Mas vou pesquisar um pouco mais e te conto depois.

Saudações respeitáveis,

045368746-08/08-fev-2021.

Ah, quase ia me esquecendo, ontem foi a mudança oficial de ano. Essa bobagem como sempre, que você já conhece. Discurso na empresa e jejum em nome da grande guerra. Queria que essa data fosse mais feliz... Imagina só um coquetel de comemoração? Poderiam até servir aqueles novos comprimidos de serotonina...

segunda-feira, setembro 04, 2006

O EU e o passado

Como vocês enxergam seu passado? Ao olhar para trás e se ver anos mais novo, ou mesmo meses, quem é essa pessoa que invade sua noção de EU?

Pergunto isso porquê eu, pessoalmente, não tenho uma relação harmoniosa com meu passado. Vejo um alguém que naquele momento fora chamado de Thiago como um estranho. Uma pessoa como as outras, teve um segundo de existência durante o fluxo da eternidade, mas que o perdeu no momento em que o viveu; como a chama de uma vela que jamais poderá queimar a mesma linha e a mesma cera.

Ao tentar explicar porque dessa indiferença, acabo caindo na pergunta essencial. O que realmente somos?

O pedante discurso social me diria que sou fruto das intermináveis variáveis sociais, que combinadas geram a existência única do EU; como um boneco de lego, montado por pequenos blocos coloridos.

O padre me diria que sou a representação do sopro da vida. A prova única e cabal da existência inteligente de um Ser Superior.

Apesar de limitar a citar essas duas concepções, muitas outras abundam nas mentes criativas daqueles que se acham capazes de explicar o mundo. Mas em ambas, cairemos na eterna loucura de nunca assumir a total responsabilidade sobre o que somos ou fazemos. Se Deus ou a sociedade, estou humanamente distante do núcleo vital. Uma expressão, um algoritmo dependente da grande equação universal.

Desacreditado, busco hoje me distanciar de construções e conceitos, lançando assim, um olhar imparcial sobre o EU vivente. Mas quanto mais busco distanciar o que é DELES do que é MEU, caio numa dicotomia ainda mais angustiante. Se de um lado encontro cada vez mais noções para tentar me abstrair, do outro encontro-me cada vez mais triste e deprimido. Uma vida sem razão ou consciência, se o drama me permite exagerar.

Depois de assassinar tudo aquilo que acreditava me ser IMPOSTO, descubro que na verdade as construímos para fugir de toda essa imposição.

Não somos humanos sem ideais, sem sonhos.

Tento enxergar esse mundo do EU ainda como o bloco de peças, mas cuja noção de individualidade nasce não numa peça principal, um bloco das consciência, mas do conjunto. E entre os significados desse conjunto está o querer, a fé e o sonho.