quarta-feira, junho 28, 2006

Homens são homens.


Banheiro masculino é o único lugar onde homem ainda pode ser homem. E isso explica o cheiro, o mijo no chão e os desenhos infantis nas paredes...

É tempo e hora

Um dia o Cristo revolucionário, da moderna sociedade, perguntou ao homem, “você tem fome de que?”. Sabia desde o princípio da formulação da frase, ainda em seus miolos, que a resposta não podia ser pão. E se fosse pão estava confirmada a certeza de que precisávamos urgentes desses revolucionários, o Cristo justificava sua existência e provara-se útil.

Preocupada com os insurgentes, a cultura massivadora ensinou a plebe a responder que sua fome agora era de conhecimento. Diante a nova resposta, o Cristo já não pode fazer mais nada, sua função era incitar, fazer querer, ensinar era tarefa dos professores, acadêmicos, conhecedores.

Sem os Cristos, pelejamos, na língua do matuto, tentando construir um país de fachadas, nomes e luzes. O burro e o ignorante aprenderam a repetir que sua fome é de conhecimento, que sua sede é por saber, mas como toda repetição, não há idéia, só palavras vagas que soam como coisa “de rico”, ou melhor, de “não pobre”.

Mas esses mesmos Zé das Cuais, João das Couves, Maria das Dores e tantos outros que se apertam nos ônibus lotados ainda precisam de incentivos, dos gritos revolucionários. Aprenderam a repetir o que deve ser dito, mas ainda vivem como coadjuvantes num país de palhaços e reis.

O povo precisa agora de palavras. Não me refiro, claro, de sons guturais esbravejados em palanques, amplificados por microfones e cores. O povo “precisamos” de cultura. Precisamos de mais do que ler e escrever, mais do que repetir, queremos, agora é entender.

Por muitos anos afastados do fluxo político nacional os Zés e Marias não devem mais ser simples financiadores da corrupção que assola o país. É hora de assistir, como colaboradores, o crescimento que orgulha os letrados e põe pão na mesa dos ignorantes, no termo academicamente vinculado.

É hora de resgatar os revolucionários, de direita e esquerda. É hora de criar o espaço de centro para que muitos outros pipoquem na vida social. Muitos deles já estão por ai, mas se sentem como que pregando num deserto. E esse terreno árido e inóspito é decorrência direta de décadas e décadas de "desinvestimentos" em educação e cultura. São mais de trinta anos de indigência cultural. São três décadas de progressiva destruição do ensino brasileiro, de destruição das escolas públicas, tanto de ensino fundamental como de ensino médio ou mesmo superior. E o que dizer das universidades privadas que proliferam? – privadas aqui empregado, entenda-me bem, no sentido de particulares, em oposição a públicas, e não no pertinente sentido de louça sanitária. E o resultado é esse quadro desolador que aí está: um povo “emburrecido” e adormecido. O povo brasileiro, relegado a mais absoluta indigência, segue faminto de palavra e pão.

É tempo de mudar, hora de votar.

sexta-feira, junho 23, 2006

Dessa vez vai!


Sou um apocalíptico. Acredito com a certeza, característica dos tolos, que irei assistir, ainda em vida, o fim de todas as coisas.

Não há religião, ciência ou novela nesse mundo que me prove o contrário. Sabe quando as pessoas dizem que tem certeza de algo? Quase como uma premonição, um sentimento de conhecer a verdade? Então, esse é o meu.

Esperei com expectativas que o mundo acabasse em 1999, afinal, todos se lembram do “De mil passarás, mas a dois mil não chegarás”. Apesar da famosa dobradinha 1999-2000, outras datas também foram anunciadas como o grande marco da humanidade, quer dizer, o marco final.

Desiludido vi começar 2001, e tava indo mau mesmo. Sem raios poderosos como a ira divina, nem ao menos tremores de terras como haviam prometido. Mas em setembro a comunidade apocalíptica se animou de novo. Nesse momento, puderam liberar toda a energia reprimida desde a mudança dos milênios. A bíblia, o corão, textos apocríficos, os ensinamentos buditas, as revistinhas do batman, todos explicavam “o grande pássaro colidindo com as montanhas construídas pela mão humana”. Mas não foi daquela vez.

Ainda esperançosos, sonhamos com o fim no desenrolar das guerras nos anos seguintes. Decepcionado, passei por 2002, 2003, 2004. Cheguei perto de achar que o mundo ficaria ai para sempre. Pelo jeito não.

O que está bombando nas rodas de discussão é o código bíblico. Vou explicar mais ou menos com funciona.

  1. Um cara, meio atoa pelo jeito, resolveu estudar mais afundo o Velho Testamento em sua versão original em hebraico. O que atraiu a atenção do pesquisador, foi a história que envolve os documentos. Grandes mentes da história humana como Issac Newton, acreditavam existir um código escondido entre as letras que compunham o texto.
  2. O bom estado de conservação dos textos permitiram aliado à computação permitiu avançar muito no sentido de entender os textos.
  3. Analisando o documento com a ajuda de um computador, verificou-se que a distância entre as letras ao longo de todo o texto seguiam um padrão matemático determinável. Alguns anos de pesquisa mais tarde, o modelo encontrado para se entender o suposto código foi a organização do texto como um cone. Ao observarem que algumas palavras iniciavam-se em uma extremidade do texto, dando continuidade na outra, resolveram unir essas extremidades formando um cilindro, no qual a primeira linha se une à segunda, a segunda à terceira, e assim continuamente, até alcançar a linha final.Com esse modelo, qualquer palavra que surgisse, poderia ser lida numa única seqüência.
  4. "A análise randômica indica que informações ocultas estão estremeadas no texto do Gênesis, sob a forma de seqüências alfabéticas eqüidistantes. O efeito é significativo em 99,998%. Observou-se, que quando o Livro do Gênesis é escrito como séries bidimensionais, seqüências alfabéticas eqüidistantes formando palavras com sentidos correlatos aparecem freqüentemente em estreita proximidade. Foram desenvolvidas ferramentas quantitativas para mensurar este fenômeno. A análise de randomização mostra que o efeito é significante ao nível de 0.00002"

De posse do “segredo” milenar, o tal cara atoa, começou a procurar por palavras-chave determinantes do processo histórico terrestre. Os resultados foram impressionantes, revelando momentos como as grandes guerras e avanços científicos marcantes na ciência.

Deixando todo esse lado burocrático de lado, entra a parte legal. O texto deixa previsões para o tempo futuro. Entre elas, estão que ainda em 2006, um grande terremoto destruirá a cidade de Los Angeles e que nesse mesmo ano, uma guerra nuclear mudará a forma como os homens vivem no planeta.

Até ai, tudo bem, pelo menos pra mim. Mais uma super e “verossímil” previsão do fim do mundo. Nada me deixa mais empolgado. Mas eu trago essa informação para vocês, não pela notícia em si, mesmo porquê sei que poucos como eu apreciam esse tipo de fatos. Essa informação fica bem legal com a leitura paralela da seguinte reportagem do Globo.com (http://oglobo.globo.com/online/ciencia/plantao/2006/06/21/284369318.asp). Como sei que poucos abriram o link, aqui está a chamada do texto “Cientista prevê grande terremoto próximo a Los Angeles”. O texto na verdade se refere a uma informação publica pela revista Nature, a mais famosa revista de divulgação científica do mundo.

Depois de tudo isso explicado, mostrado e “provado”, retorno ao título que nome ao post dessa vez vai. De 2006 o mundo, como conhecemos, não passa!

E se passar? Não vai. Mas e se? E se, eu formo o ano que vem, vou procurar um emprego e continuar vivendo. Sem me esquecer, é claro, o meteoro que provavelmente vai destruir o planeta em 2014. Não sabiam? Então, de um meteoro, ninguém escapa.

Mais sobre o código da bíblia:

http://www.misteriosantigos.com/codbiblia.htm

Mais sobre o meteoro em 2014:

Asteróide 'pode colidir com a Terra em 2014'” em BBC Brasil

http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/story/2003/09/030902_asteroiderg.shtml

terça-feira, junho 20, 2006

Para os novos visitantes

O PeixeFugido sai na frente oferece todo o conteúdo exclusivo agora também em inglês.

Com as bênçãos do deus Google, essa nova possibilidade permite aos usuários internacionais acompanharem o que acontece na cabeça demente do autor.

Para visualizar o blog em inglês basta clicar na bandeira ao lado.


Or must I say?:

The Run Away Fish (PeixeFugido) came first and offer all its exclusive content also in English.

By bless of Google god, this new possibility allow the international users see what is happening on the maniac mind of the author.

To read this blog in English you have to click at the British flag on the right side bar.

Desde o início dos tempos.

Dispensa comentários...

Os deuses do Google.


Outro dia, um amigo comentou que devido à facilidade de busca, poderíamos chamar Google de deus (letra minúscula proposital, afinal, não sou um herege que merece queimar nas labaredas eternas do inferno, ouvindo Bob Dylan e assistindo novela).

Que o google facilitou a vida, isso com certeza. Mas o que mais me assusta é a nova construção de verdade baseada em pesquisas que assumimos.

Duro e simples. Se depois de algumas tentativas frustradas de pesquisa utilizando diferentes e estratégicas palavras-chaves, ainda assim não encontrarmos sobre o tema que estávamos procurando, assumimos prontamente que não existe. Não mais recorremos a bases físicas de dados para desvendar o mundo.

Se as pessoas ainda lêem hoje em dia, e graças a Deus algumas o fazem, é meramente para acompanhar as notícias diárias, em caminho vertiginoso para tornar-se essencialmente digital, e pela literatura.

A literatura que é na verdade, o único meio de salvar a informação de papel. Pergunte a qualquer leitor se ele trocaria o papel pelo monitor. Nem somente os velhos apreciadores diriam nunca, mas também os jovens e casuais leitores. Literatura é papel e ponto. O brilho artificial não tem espaço nas estórias e histórias da leitura romanceada.

De volta à pesquisa, poderíamos facilmente assumir que uma ferramenta tão eficaz como o Google (letra maiúscula única e exclusivamente por respeito à marca) não só facilita, como democratiza o acesso a informação. Não mais grandiosas bibliotecas ao redor do mundo, a passagem que precisamos pode ser encontrada em qualquer lugar, do 486 dx2 do laboratório de informática do Centro de Ciências de Pessoas, ao super-mega-bom-do-universo dual core 6 gigas de pura adrenalina no Centro de Ciências de Pesquisas que Dão Dinheiro para as empresas.

Mas será que todo o conhecimento humano já está publicado na rede? Claro que não. Muitos são os livros dos autores desacreditados que jamais terão espaço para releitura depois de tantos séculos e seus conhecimentos irão, como o próprio autor, se apagar.

Grandes avanços sobre o entendimento do mundo e da vida se deram sobre releituras, pesquisas organizadas no cruzamento de informações dispostas em milhares de fontes, mas agrupadas e hierarquizadas pelo centro de informação central do leitor, não por um conjunto de algoritmos frios e maus.

E os tais autores desacreditados poderiam facilmente ser reencarnações (agora eu vou pro inferno) de Galileu ou Copérnico ou filhos de Amauri de Chartes ou Capocchio tão prodigiosos como seus progenitores.

Ao rever a escrita desses autores, julgados e condenados em suas épocas, que evoluímos em astronomia, física e química, respectivamente.

Apesar de se propagandear como a grande revolucionária na disseminação de informação, a internet é na verdade a nova inquisição do mundo moderno. Só é publicado o que os puritanos dos internautas julgam importante ou relevante e só alcança o grande público o que os grandes portais divulgam. E só pode ser acessado o que o Google ou Yahoo! classificam como relevantes.

Não se iludam meus amigos, publicar é só o primeiro filtro da informação. Este blog, por exemplo, não é encontrado em nenhum mecanismo de busca.

Querem calar essa voz que brande por atenção (dessa vez eu viajei, propositalmente) e que proclama a verdade aos quatro ventos. Como eu sei? Está tudo aí, na internet...

segunda-feira, junho 19, 2006

Atrasei, desculpa

Por isso que dizem que não devemos conversar com médicos quando sabemos que não temos nenhum problema.

Como eu cheguei a essa conclusão, simples!

Feriado prolongado, estive na minha cidade natal para rever a família, conversar com os amigos, essas coisas de pessoas normais (afinal, era como me julgava até então).

Ao executar minha rotina de visita aos mais próximos, encontrei uma boa amiga que inconvenientemente está bem avançada no curso de psicologia.

Conversa, lembrança, risadas, novas experiências e claro, uma curta troca de idéias sobre aquilo que temos aprendido em nossos respectivos cursos de graduação.

A infeliz já veio com uns papos de patologias psíquicas, o burro aqui deu papo. Uma pincelada sobre os diferentes autores do assunto e caímos nas bizarrices de psique humana.

Minutos mais tarde, estava deitado no sofá maior enquanto ela ao meu lado posava como doutora na confortável poltrona com veludo.

Ela, simples e direta, se limitava aos “explique-se melhor”, “mas como você se sentiu”, “como se julgou naquele momento” e tantas outras perguntas que nos exigem respostas bem elaboradas. Para tais simples interrogações Eu, complexo e cheio de rodeios, respondia em longas explanações sobre minha vida pessoal e social.

Numa dessas, deixei pano pra manga que me custou admitir pequenos segredos.

Tenho amor e ódio por água fria.

É boa, faz bem e tal, mas é ruim. Muito ruim. Mas como negar-me algo que faz bem só por ser ruim. Como sacrificar o futuro recompensador pela fuga do sofrimento presente. Todas essas questões essenciais se fazem um turbilhão de idéias no momento da água fria. Já no chuveiro, enquanto discuto comigo mesmo seja lá quem eu for: Vou sair. Não posso. Ta gelada. Mas faz bem. Vira homem e firma. Mas essa bosta ta gelada.

Os braços se contorcem, as pernas bambeiam, os olhos se fecham, o pescoço mal se agüenta, enquanto as vozes discutem. E enquanto não conseguem se convencer, o corpo se espreme de frio e prazer. De cada segundo sofrido tem-se um segundo de satisfação, amor próprio, confiança. O prazer carnal esboçado sem o contato físico, sem ilusões. O sofrimento recompensado.

A conclusão, sou um masoquista.

Claro que apesar da forte afirmação, ela o fez sem pensar em bizarrices sexuais, nem sangue ou metal.

O prazer pelo sofrimento, simples assim.

Uma doença ou loucura, limitado assim.

terça-feira, junho 13, 2006

Só pra não dizer que esqueci

Everything that has a beginning, has a “keep going”…

terça-feira, junho 06, 2006

Mentiras e verdades?


Beber café deixa a mente mais sugestionável, diz estudo

http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI1034097-EI298,00.html

Lá vem eles com essa história de novo! Será que é tudo uma simples falta do que dizer?

Café já está se tornando o exemplo mais engraçado e emblemático da palavra “estudo”, quando essa recebe pelo simples fato de existir, a característica inicial e inviolável de ser verdade.

Mas o que desgraça é verdade?

Obviamente, dizer que “um estudo aponta”, “um estudo mostra” ou melhor, “um estudo comprova” são expressões conclusivas demais. Claro que não vêm sozinhas, afinal, o que seria do “estudo” se não fosse dos “em uma universidade americana” ou “conduzida por cientistas europeus”. Essa é uma amostra bem simples da condição de verdade.

Cheguei onde eu queria, a verdade é comumente admitida como fruto de um trabalho científico sistematizado e empiricamente passível de ser provado. Mas antes de ser admitido como verdade, o experimento seja ele químico, matemático ou mesmo social, deve passar por uma banca que baseada numa literatura específica, deliberará sob a questão, alcançando inexoravelmente a conclusão do exposto ser verdadeiro ou falso.

Essa banca não são homens comuns. São cientistas, estudiosos, que após um fino desenvolvimento acadêmico tornaram-se aptos para estar ali, na posição.

Mas é ai que vem o pulo do gato. Tais acadêmicos, são obviamente formados dentro da cadeia de produção de ciência na qual tornaram-se posteriormente aptos a deliberar. Quer dizer, instituímos um protocolo de construção de verdades auto alimentado e pior, retro ativado. Isso quer dizer que estamos presos nessa cadeia de criação e estabelecimentos de padrões cuja argumentação de valides funda-se na chamada base do pensamento humano, a racionalidade.

Mas a razão surge como o elemento base do pensamento humanos somente durante as revoluções burguesas. O que me lembra que algumas palavras andam sempre juntas, padrão, prisão, razão, burguesia.

Não quero, obviamente, entrar num mérito de discussão marxista de controladores e controlados, nem de domínio ou não dos meios de produção. Mesmo porque, essa é uma discussão na qual eu não me dou muito bem.

Minha fonte de pensamento, me parece ser um pouco mais profunda, e está não na discussão do “que é” ou “não é”, mas aonde surge essa construção.

Se voltássemos nosso pensamento para alguns séculos atrás e pensássemos como eles, quer dizer, limitando a existência a vontade divina, haveriam entre nós também alguns insatisfeitos que levantariam as questões básicas de Deus existir ou não existir, das verdade prontas entregues pela igreja dominante. Mas o sistema de pensamento no qual estamos presos é um pouco mais complexo e infinitamente mais maquiavélico.

A razão é uma verdade tão bem sedimentada na mente do homem moderno, que associamos sua construção conceitual ao cerne do homem. No famoso “Penso, logo existo”, explicitamos essa necessidade de afeiçoar ao conceito. E quando digo explicitamos, não o faço porquê considero que somos todos autores da frase (afinal o que é uma frase?), mas porquê todos os humanos são fruto histórico do mesmo momento e nesse sentido, a fala de um indivíduo é a marca descritiva de todo o grupo no qual está inserido.

É nesse momento que aliamos as raízes da individualidade ao conceito criado em grupo que vejo temeroso o sentido do existir. Conceitos, idéias, noções e construções não estavam prontas quando o primeiro, biologicamente, Homo sapiens caminhou sobre solo terrestre, foi seu trabalho mental que gerou todo o sistema.

Num dado momento, o sistema tornou-se maior que o homem e novamente nos vemos presos a ele. Mas ludibriados por discussões mais exteriores como a força da mídia ou a discussão com a Bolívia ou ainda nossa condição subalterna aos EUA; ficamos cada vez mais longes de nos discutirmos enquanto humanos, não somente cidadãos.

A razão da vida, a beleza humana são assuntos hoje destinados aos poetas e sonhadores. Esquecido pelo Hominus sociales, cidadão, cientista.

Há alguns séculos, vivemos uma crise de identidade. Mas falta saber o que é identidade.

sexta-feira, junho 02, 2006

Devaneio presunçoso

Minha falta de ridículo alcançou níveis altíssimos. Me deu na cabeça que sei escrever crônicas. Mas depois de achar que sei escrever artigos de economia, até que não é um devaneio tão alto assim.
Então, dou minha cara a tapa. Ta aí, espero que os leitores tradicionais, digo, únicos, valew João (da Silva), Canário (Thiago, o outro) e Menina (seja lá quem você é); digam o que acham.

Crônica
Homem aí do lado

Nunca acordar cedo o incomodara tanto.

Com os olhos ainda bem amarelos, arrastou-se até o banheiro. Com dificuldades, abriu a porta e em movimentos automáticos executou todo o protocolo matinal que se poderia exigir de um homem naquela idade. Apesar do desconforto dessas primeiras horas, foi com prazer que abriu a calça e deixou-se inundar pela felicidade ao ver jorrar toda aquela impureza que se derramava de seu corpo.

A água fria no rosto lhe deu uma cara um pouco mais humana e uma disposição para enfrentar ao menos os próximos minutos.

Na cozinha, encontrou o café pronto, de ontem. Há muito já tinha desacostumado com os confortos do homem normal, aquele café rançoso era o suficiente para colocá-lo de pé e ir trabalhar.

Antes de sair, lembrou-se ainda que não podia sair daquele jeito, uma imagem da noite que morrera. “Onde eu estava com a cabeça”, teve ainda tempo de pensar.

Não se dava a modas e luxos, mas um emprego público exigia mais do que uma calça surrada que não ficou mal combinada com uma camisa que a muitos anos poderia ate ter sido chamada de nova. Todos aqueles anos dedicando-se ao trabalho pela sociedade, ou pelo menos ele o imaginava assim, não lhe garantiram crescimento considerável nas cadeias de comando do estado. Mas para a vida solitária que levava, o salário era até mais que o suficiente.

“O uniforme de homem trabalhar”, brincou com seus miolos, e estranhou o senso de humor naquela hora da manhã.

Foi mesmo como um bravo soldado que enfrentou o ônibus lotado, mas a vida ainda lhe sorria. Morando em um dos primeiros pontos daquela linha, pôde achar um lugar para sentar, na janela, como preferia, e naquela quase uma hora que se arrastou, assistiu a vida borbulhar na cidade grande.

Lembrou-se que enquanto criança sonhava em viver junto com todas aquelas pessoas, uma vida de aventura, sem rotinas ou monotonias. Ainda naquela época, achava que a vida no interior não era para ele. “E veja-me agora, um homem metropolitano”, vangloriava-se. Mas o rosto cansado pelos anos, mas especialmente pela semana, não lhe negavam um ar cansado e melancólico; e foi assim que desceu do ônibus, não só um entre muitos, porquê naquele momento teve tempo de chamar a atenção de um garoto perdido no passeio.

“Me dá um real, moço?”, a frase não veio só, amparada pelo olhar que só uma criança poderia fazê-lo, com o tom que só um pedinte faminto é capaz de reproduzir, o velho não resistiu. Mas sentiu-se bem ao trocar aquele um real pela promessa do garoto de ir a escola e tentar melhor de vida.

Um homem como ele não tinha muito, e achava, portanto, que não tinha que fazer muito. Talvez achou que tinha feito a sua parte pela humanidade ao ajudar aquele menino. Talvez tenha mesmo, aquele pobre e jovem mendigo fará muito pelo mundo.

De dever cumprido, era agora a sua hora de garantir o pão de cada dia. O serviço de entregador naquela repartição não lhe exigia muito. Office Boy diria um adolescente “Juventude!”, ele era só um entregador, simples e totalmente assim.

Enquanto esperava as primeiras ordens do dia teve tempo de pensar na vida. Das dificuldades que enfrentara até ali, “Um vencedor” lembrou. Não tinha uma sala com mesas classicamente velhas e computadores incompreensivelmente avançados, não precisava. Um cadeira de encosto côncavo ao lado da porta era mais do que necessário. “Um homem de guerra não precisava de confortos” lhe disse mais uma vez a voz beligerante que o acompanhara a vida toda.

A ordem e responsabilidade do dia veio em forma de um malote. Conhecia o endereço de entrega muito bem. Sorriu satisfeito ao lembrar que no caminho passaria pela praça central. Gostava de pássaros.

De sorriso aberto, mancou para a rua. As pernas já não estavam muito boas mais, mas o caminho não era longo.

Saudoso, satisfez-se ao lembrar que ainda gostava de pássaros.