sexta-feira, setembro 19, 2008

O mineiro

O mineiro seguirá o apelo de alguma grande causa nobre mais facilmente do que o acicate de alguma reivindicação econômica imediata. Não correrá para tomar um bonde. Mas se precipitará para salvar uma criança. Apesar do seu grande amor às coisas práticas e imediatas que é natural a quem representa, acima de tudo, o triunfo do bom senso, — o sonho de uma mudança misteriosa e brusca para melhor nunca o abandona. Eis por que Minas é o paraíso dos boatos. O espírito de curiosidade, tão sensível nos homens retraídos e nos ambientes pacatos, é nativo por estas paragens. Junto dele, o espírito de finura, que vimos ser um dos apanágios da psicologia mineira, é verdadeiramente a expressão do senso comum, na prática da vida. Todo autêntico filho de Minas tem o temperamento muito mais prático que especulativo, muito mais fatalista que ativista, muito mais concreto que abstrato. Não é por abstrações vagas que se leva o homem de Minas. Pode ser por grande idéias, mas por grandes idéias que representem abstrações autênticas, correspondendo a autênticas realidades. Para isso o espírito mineiro de finesse o ajuda muito a distinguir a ênfase, o artifício ou a tapeação, da coisa autêntica. E o mineiro, se é comodista nas coisas pequenas, é desinteressado nas grandes. Aqui tocamos essa outra qualidade muito importante do espírito mineiro, aliás muito afim com essa finura pascaliana: o espírito de distinção.

O mineiro não é homem de aceitar ou de rejeitar as coisas em bloco. Nesse ponto ninguém menos espanhol do que o mineiro, se for exato que o temperamento ibérico se assemelha, como dizem, às praças de touros, em que só há sombra e sol. Para o mineiro poderíamos ao contrário dizer que — só há penumbra. Não é homem para as grandes opções definitivas. É o homem do meio termo, no bom sentido da expressão. É o homem da negociação, do entendimento, do “dar um jeito”. Todo gesto de cortar nós górdios é deslocado em Minas e ali repercute como uma imitação ridícula ou passageira. O mineiro recebe os rompantes dos mandões quando acaso vêm, como recebe uma chuva de pedras, um raio ou um tufão. São forças desencadeadas, com as quais é preciso sempre contar, mas que não duram muito. Passam depressa. Tudo volta ao normal. E o normal é o clima do mineiro, como é o clima da vida, dessa vida cotidiana, sem muitos altos e baixos, que constitui, para o filho dessas alturas, a fonte de sua grande energia de viver. O mineiro é o homem do cotidiano. É dele que tira a sua grande resistência taciturna. Na repetição vai buscar forças para a paciência invencível e para a ironia tranqüila, com que afronta as maiores dificuldades, sabendo que o clima da tragédia é sempre a exceção e que a vida na terra acaba sempre em comédia. O mineiro, aliás, tem mais vocação para o cômico que para o trágico.

Alceu Amoroso Lima
Voz de Minas
ensaio de sociologia regional brasileira
Agir. Rio de Janeiro. 1945.
Versão original aqui.

Um comentário:

Unknown disse...

Uma coisa que eu adoro em minas é a "mitologia" própria. Num país grande como o nosso cada estado ganhou o direito de se definir como povo. Um mineiro pode ser mais distante de um carioca em termos de temperamento do que um espanhol de um basco, só pra ficar num exemplo. E bem, eu gosto de Juiz de Fora porque é Minas sem a torcida do cruzeiro e do atlético...