quarta-feira, julho 12, 2006

Devaneio presunçoso 2


Desculpem a demora em atualizar o blog. Vi orgulhoso que mais uma leitora apareceu por aqui. Espero que goste da segunda parte do texto.

Se não leu a primeira, clique aqui.


Juro que vou atualizar mais o blog, juro.

Fico esperando a opinião de vocês.

Homem aí do lado.

Continuação.

“Saudoso, satisfez-se ao lembrar que ainda gostava de pássaros.”

E foi ao som de um desses que o sol invadiu seus olhos ao deixar a repartição onde trabalhava. Ao transpor a grande porta, orgulho de um prédio modernista, virou o pescoço para os dois lados e viu-se em meio a multidão.

As roupas gastas, o olhar caído não lhe rendiam atenção, nem precisava, era parte do todo. E como sonhara, nos velhos dias das rãs na janela, o menino do campo deixara os campos e atoleiros para embrenhar-se nas tumultuadas ruas da cidade grande.

Depois de tantos anos aprendera o gingado do andar quando se está ao lado de tanta gente; virava o ombro e se esquivava, parava de repente acompanhando o desejo inexplicável da vontade alheia. Entre trancos e solavancos alcançou a praça central.

Dentro daquelas grades o corpo perdia rigidez e ganhava doçura, caminhou leve, passos altos, deslizou entre os pequenos caminhos cercados de árvores com um toque feminino discreto, perceptível no contraste com as rugas e pelos faciais.

Naqueles breves instantes, quando a felicidade proporcionada pelo nostálgico ambiente provinciano lhe invadiu os sentidos, um pensamento libidinoso lhe acordou o corpo. Há muito não experimentava o gozo físico, mas o simples querer lhe desenhou um sorriso nos lábios carnudos. Ninguém jamais perceberia o velho que ali reconstruía tantos sentimentos para se sentir de novo vivo, mas o momento chamou a atenção do vento, que em brisa beijou-lhe os lábios e correu vergonhoso por entre as árvores.

De volta ao passeio exterior o corpo enrijeceu, as mãos tremularam enquanto o lábios fechavam-se, mais uma vez olhou o futuro óbvio nos próximos passos, renegando o passado, nem sua própria história não lhe pertencia.

Ninguém a sua volta chamava-lhe a atenção. O persistente pensamento beligerante entendia as pessoas como povo, parafusos e porcas partes de um sistema muito maior. Cada peça, explicava-se, poderia ser substituída quando estragada. Entre os infelizes pedaços do todo poderiam haver líderes, que eram também parte do próprio sistema. Presidentes e governadores poderiam orgulhar-se ao clamarem sua posição, a esses, sobrava o desdenho e nojo.

Enquanto enxergava o mundo nessa infinita fragmentação harmônica, confortava-se na idéia de ser parte de algo maior. Sem desviar os olhos, viu-se caminhando entre tantos, a origem ou conteúdo dos papéis na pasta que carregava não eram importantes, só a imagem do homem que ali seguia seu caminho consciente de sua função, desconhecedor de seu propósito.

Apesar dos olhos fixos, a consciência abandonou os opacos olhos verdes, e no instante do erro, os pés se confundiram no protocolo metódico do andar e o velho tropeçou. Culpou-se nervoso, mas a vergonha só foi maior quando um pedaço do passado esquecido ergueu-se à esfera da consciência deixando lugar para que um breve sorriso acompanhasse a lembrança da infância.

O corpo endireitava-se, os pés procuravam a firmeza do solo, mas o velho, naquele instante, era só uma criança que acordava do susto de se imaginar indo ao chão.

3 comentários:

Anônimo disse...

A nova leitora sou eu? Que legal!

Li os dois textos. Primeiro e segundo.

Não há nada mais miserável do que o desânimo e a falta de perspectiva. Fiquei com pena do velho. Achei o texto muito triste.

A propósito, você não anda querendo pular de alguma janela não, né?

hahahaha!

Mas sabe o que mais me chamou a atenção hoje? O fato de você não saber quem é a tal "menina" que sempre comenta aqui. Tenho medo de estranhos persistentes.

Anônimo disse...

Como nova leitora, estava lendo textos antigos. Li o texto sobre o Google. Muito bom, por sinal. Muito bom mesmo.

O meu antigo blog é encontrado no google e ele nem existe mais. Pior é que se clicar "em cache" dá para lê-lo normalmente. Achei uma invasão!

Nunca tentei procurar o novo blog. Vou tentar agora.

Anônimo disse...

Poxa! Que lindo o texto! Adorei! Ficou incrível! Você arrasa mesmo! Fiiiino!!!

Tá. Não é o João. É a Elisa.

O João pediu para eu vir aqui pra falar que toda vez que ele entra aqui dá pau e ele não consegue comentar.