quarta-feira, dezembro 06, 2006

Sobre vida e morte


Nunca gostei daqueles mosquitinhos de banheiro. Eles são tão bobos.

Vocês já pararam pra pensar porque existem tanto deles? Você já tentou matar a todos e no dia seguinte descobriu que haviam mais, e mesmo após esse segundo extermínio, no próximo dia era como se eles estivessem todos ali de volta, reclamando uma vingança. Pois eu descobri de onde eles vêem, do ralo do banheiro. Mas não daquele debaixo do chuveiro (eles não sabem nadar), mas daquele outro, normalmente perto da privada.

Sem o mínimo apego e consternado pelo nojo daquelas patas que passaram pelos esgotos até chegar ali e pousar na minha toalha limpa, eu promovia diariamente um genocídio de mosquitinhos de banheiro.

Lembro que adorava prendê-los nas tampinhas descartáveis dos barbeadores do meu pai, só para ter ali, o poder supremo sobre a vida daquele ser tão execrável.

E nesses momentos eu parava por um instante e observava o que tinha em mãos. O controle sobre a vida e, portanto, sobre a morte deles. E um controle como esse, trás alguma responsabilidade.

Incentivado pela força criativa da água que escorria entre meus cabelos, eu parava, as vezes, para pensar como seria ter a escolha sobre a vida humana. Já imaginaram, uma legião de seres aparentemente semelhantes a você, mas submetido pelo seu poder esmagador e inabalável?

Ainda bem que não são muitos que têm esse tipo de poder. Acho até que a justiça nasceu justamente para impedir esse tipo de arbitrariedade.

A morte, para nosso senso de justiça, é a pior coisa ou a maior condenação que alguém pode sofrer, e não deve, portanto, ser decretada ou ordenada levianamente. A vida humana seria portanto um invólucro inquebrável. E cada ser é uma manifestação única desse direito.

Mas se a vida é assim tão preciosa, se mesmo os piores assassinos merecem um julgamento “justo” antes de terem suas vidas condenadas à morte; por que esse mesmo senso de justiça não pode ser estendido a um embrião? Por que uma sociedade que busca a justiça, não permite um que o acuso de viver (embrião) possa ter um julgamento? Como condenar alguém que não pode se quer se defender?!

Talvez argumentem, baseados na verdade da ciência, que aquele embrião não é, ainda, uma vida. Sua morte não significa perder um ser humano, mas sim dilacerar um incômodo apêndice daquela mulher que cometera o pecado da gravidez.

Mesmo que a ciência tenha suas fórmulas e números para prová-lo assim, a matemática também tem seus argumentos para mostrá-lo diferente. Naquela pequena bola celular está contida a expressão mágica da vida que irá, consecutivamente, executar os protocolos de crescimento, resultando no então cientificamente aprovado e socialmente aceitável ser humano. É como jogar uma bola de ferro para cima. Não é necessário vê-la cair para ter certeza que em alguns segundos ela encontrará o chão.

Outros falam ainda que a morte é melhor que a vida de privações e sofrimentos que aguarda, (ansiosamente acrescentariam), a vida daquela criança pobre, filha de pais pobres e neta de outros em situação semelhante. Mas quem somos nós para julgarmos?

E se mesmo assim o seja, a morte é ainda a melhor condenação para o pecado de querer nascer?

Uma sociedade movida pelo egoísmo enquanto sopra em hipocrisia as cornetas do altruísmo só pode mesmo é tomar medidas paliativas. Condene, esqueça, desligue-se, morra. Palavras tão duras aos ouvidos e tão comuns no dia-a-dia podre na existência cidadã.

Antes de agirmos de forma tão grosseira, deveríamos primeiro erguer as mãos e braços, trabalhando para que a criança seja recepcionada num mundo um pouco melhor.

Se me perguntarem o que eu penso sobre o aborto? Diria que trabalharia cada instante de minha vida, dedicaria cada segundo de existência antes de carregar comigo e para a eternidade a responsabilidade sobre a morte.

Um comentário:

Unknown disse...

Bem...Gostaria de conseguir ter uma opinião convicta sobre o aborto, mas admito que, assim como em quase todos os temas, eu tenho dificuldade pra raciocionar em termos gerais, prefiro pensar em um grau mais específico...Acho que era Kant (ou o Seu Madruga, não lembro bem) que dizia que cada ser humano é um fim em si e não um meio para outro fim. Portanto a mãe não possui autoridade sobre o feto (pelo menos em termos filosóficos) ao mesmo tempo em que o feto é parte dela e ela não pode ser considerada apenas um meio para que aquela criança venha ao mundo...Em suma, entre o aborto ou não eu defendo a educação sexual nas escolas...