domingo, abril 22, 2007

Madrugada

São 4 e meia da manhã num sábado e eu estou me perguntando, será?

Quando eu era pequeno, ganhei um gato de presente. Ele era marrom, meio caramelo e pequeno como todo filhote deve ser. Mas eu lembro, que ele era também bem agressivo, do tipo que arranhava ao menor contato e parecia odiar (se um sentimento assim pode ser aplicado a um bicho – não no sentido pejorativo) qualquer forma de carinho ou aproximação. Depois de algum dias alimentando-o e embalando-o enrolado em panos, ele foi se acalmando até se tornar dócil, ou domesticado como nosso especismo (sentimento hipócrita de superioridade sobre bichos irracionais, ou melhor, sobre bichos) gosta de dizer.

O gato que era antes todo desconfiado passou a ser meigo. De livre, deixou-se aprisionar no conforto da comida fácil e do afago despreocupado.

Ai entra a história do será. Será que isso também não aconteceu conosco? Será que não fomos todos domesticados. Será que não deveríamos ser bestas selvagens, por que será que selvagem soa pejorativo? Entenderam os serás?

Quando falam de alienação política ou cultural estão todos acusando em camadas muito superficiais. Quando na verdade, acredito que somos condicionados que leveis tão mais profundos que o simples mencionar começa a soar ridículo.

Nos ensinaram a falar, a conversar e nos entregaram, de bandeja, água, comida, casa e um jeito de pensar bem peculiar: a razão.

“Entendidos” explicam que o cérebro humano tem quatro esferas distintas, a razão, a intuição, percepção e sentimento. E nem sempre, as sociedades tiveram como função primordial o encadeamento cartesiano de idéias racionais. Já fomos mais intuitivos, mais sentimentais. Justamente essas faculdades explicam manifestações como os mitos e lendas, expressões que hoje soam como mentiras ou estórias, mas que já foram, na verdade, explicações para história e a vida; numa época em que “plausível” nem existia.

E se mais uma vez sou condicionado a colocar nesses termos, é fácil apontar que tudo teve um início. Talvez impossível de se dizer exatamente quando, mas ainda sim plausível.

Se condicionaram uma estrutura tão essencial como o pensamento, o hall de perguntas e serás se estendem a cada ação, atitude, sonho, manifestação, até mesmo ao próprio perguntar porque. Afinal, se existe uma “escolha”, como a negação, tem-se por explicação óbvia e racional, que somos livres – referência que exige a menção do livre arbítrio.

“Dominamos a natureza” me disseram. “Deturpamos a natureza” respondi. Vivemos num mundo de planos e sonhos. Uns que devemos realizar, outros que nos mantêm na linha ansiosos pela realização. Estamos presos numa realidade de ontem, hoje e amanhã, uma estrutura de tempo irremediável, imutável. Uma gaiola sem barras justificada pelo conforto que aprendemos, como bons animais de estimação, a chamar de realidade.

Temos hora para dormir, me disseram. E assim terá hora para acordar, completaram. E se eu não quiser dormir? Fique a vontade, explicaram. E se eu não quiser ficar a vontade? Seja livre para escolher, argumentaram. E se eu não quiser ser obrigado a escolher? Ah, vá dormir, responderam impacientes.

Abaixo, uma musica engraçada para ilustrar o texto. Achei melhor que usar uma foto.


2 comentários:

Angélica disse...

Nada como uma angustiazinha pra agitar nossas vidas, hein? É uma das coisas que nos diferem dos bichos, pro bem e pro mal...
Aliás, essa questão da verdadeira liberdade sempre foi super recorrente pra você, desde que te conheço. Pode me chamar de sádica, mas adoro perceber que você não mudou.
Um beijo!

Unknown disse...

Liberdade não existe onde existe consciência...Pelo menos eu penso assim...Sua consciência é sua própria prisãozinha domiciliar...